Para Minha Tia Inesquecível...
Terezinha de Antônio... tão Marília de Dirceu...
Naquela manhã de sábado eu cheguei à sua casa com um simples botão de rosa branca com um fio dourado fazendo um laço no caule - lá da Feira das Flores - para expressar meu carinho à matrona por direito de nossa família. Era seu Feliz Aniversário e, todos os presentes, estivemos felizes na Presença dela...
Dias antes disso, quando ela me abriu a porta com seu sorriso e olhos iluminados naquele tom sonoro e cantante tão dela, vi a imagem e semelhança da minha avó saudosa, sua mãe Nhazinha. Mas, era ela mesma, Tia Tetê, inconfundível no acolhimento ao sobrinho desterrado, xará do chaveiro que ainda balançava à porta marcando o compasso de nosso abraço e beijo saudoso.
O cheiro que só tem naquela casa, o perfume dela, tudo era fresco e dizia de manhãs de infância e juventude na algazarra de todos os encontros passados e na boa lembrança que esvoaçam ao redor do coração e da mente. Às vezes, o aroma era de bolo de fubá com cobertura de açúcar e laranja, de cafezinho passado na hora. Tradição daquelas tardes de 15 horas da casa do vovô e vovó de repartir pão e carinho. Entretanto, lá, agora o ambiente respirava outra suavidade, aquele que pedia recolhimento e oração, amor desdobrado ao seu companheiro já como Venerável Ancião que ela cuidava com desvelado e incondicional amor.
Era ela mesma, a Terezinha. A que sabe cuidar de todos como aquela xará dela, com a autoridade da mãe que dava colo a quem necessitasse do regaço amoroso, para ouvir e sentir palavras e gestos de vontade de amar. Mais ainda, de amar com boa-vontade.
Cada recanto daquele lar era para mim um santuário com boas re-cordações por tantos momentos passados na convivência com aquela família. Deus os juntou por laços que coube a ela envolver cada um como se fizesse um buquê, de almas em botões coloridos e diferentes, que lhe enchiam o peito e os dias em dedicação a cada um de uma maneira diferente na nossa necessidade, mas igual na amorosa atenção que enlaçava a todos. Nesse ponto da afeição materna ela era de dar nós, apertados...
Re-cordar o Tio Toninho era re-entre-laçar pensamentos amorosos com ela ao lado dele onde quer que minha mente pudesse alcançar. E, a história comum aos dois é a de uma bio-duo-grafia que não se consegue separar onde começava um e terminava o outro, tal o entranhado amor que abraçava os dois em vida que construiu em torno deles um Altar de Afeição, quando cabia a nós todos tão somente ajoelhar para pedir benção. E, assim certamente foi desde os tempos de namoro sob caramanchões ou entre os canteiros da Pracinha Marília de Dirceu. Depois, além no Tabernáculo do matrimônio que os reuniu desde então, e para sempre.
Dizemos que Deus escreve certo por linhas tortas quando lamentamos a desafortunada sorte que bate à nossa porta, reclamando nossa esmola de dor no sofrimento que não nos falta nas carreiras do destino.
Mas, há casos raros, e de uma beleza poética infinita, quando o Pai escreve, em fio de ouro nas linhas tortas do caminho incerto de nossa romagem terrestre, o nome daqueles que se encontraram por uma razão que desconhecemos, mas que a tudo transforma, mesmo as dores em amores. Isso, para que nos inspiremos a não perder o fio da meada dos novelos e novelas do drama da vida a se desenrolar rumo às ascensões.
Só mesmo nas Minas Geraes para essas coisas acontecerem, quando o Cupido tem o dom de flechar dois corações que se unem em verdade, para inspirar gerações sobre o que é o Amor “ferindo o peito” da maneira mais prazerosa que existe, com esse sentimento compartilhado de maneira a re-unir, para sempre, na Verdade Dele que liberta de todas as prisões, degredos, exílios, desterros ou separações.
Eu não imaginaria, nunca, que isso acontecesse assim, de repente, ali como vida entre versos e reveses, entre linhas e laços, tecendo pela trama do Amor ao alcance de nossos olhos que tiveram a benção de partilhar e receber energias nessa aura multicolorida, nessas vidas cheias de bem-aventuranças que re-conhecemos mais e mais como uma página rara da trama da vida, um capítulo poético que mal merecemos e, infinitamente necessitamos para que se aprofunde em nós o senso correto do que seja Amor...
Antônio e Maria, saídos das páginas da vida inspiradas em mil confidências dessa solicitude que só têm aqueles cujo Amor Verdadeiro vence a própria morte, e vai e volta no Tempo/Espaço perfazendo um trajeto entre Mente e Coração elevando-se nos pensamentos e sentimentos desse tesouro que traça nenhuma corrói, ladrão nenhum percebe a riqueza do Espírito se revelando na sua mais alta expressão. Quintessência do Amor em Poesia...
Dirceu e Marília voltaram a passear de mãos dadas naqueles Jardins de caramanchões de Estrelas ao infinito, entre jabuticabeiras e macieiras celestes e o Flamboyant explode em florzinhas avermelhados por Primaveras de e-ternuridades, onde o Cupido voa beijando os mil buquês nos galhos daquela Árvore Bendita.
Antônio Gonzaga e Maria Dorotéa, Antônio de Pádua e Maria Terezinha, e também Drummond e sua Julieta, agora dão-se as mãos entre os canteiros lá nas alturas, porque aquilo que Deus une na Terra, une também para sempre no Céu pelos fios dourados do Amor Eterno. O “Amor jamais acaba”, e tampouco jamais se separa o que o Pai juntou.
Nessa manhã de sábado depois de hoje, e de tantos dias e anos celebrando a vida juntos, há roseiras brancas assinalando o caminho que chega ao Lar Verdadeiro da minha Tia Inesquecível com seu bem-amado esposo. Ele, a Mente, e ela, o Coração. Ambos profundos e poderosos na forma com que ergueram esse Templo de Sagrada Afeição cujas flores mais lindas são seus filhos, noras e netos que agora seguirão adiante a semear aquilo que aprenderam e compreenderam nas lições desse Amor dado com tanto desvelo.
Com vocês também, meus primos queridos com os corações arrebentados em amor e dor indizível, me faço órfão sob o mesmo teto nessa Estação de Outono demorado, onde ecoam orações e bons pensamentos a saudar a passagem do Trem de Ferro nessa estrada montanha acima.
A Lua mal deu uma volta ao redor da Terra e, aquela festa de recepção ao Menino Antônio agora se emenda com outra pela chegada da Menina Terezinha.
Todos cantam lá em cima pela chegada daquele casal ao Santuário dos Amantes Inseparáveis pelo Amor do Pai, pelo Amor de Um pelo Outro, e para todos enquanto passearam aqui entre nós. Os campos dos poetas, dos lírios e passarinhos, devem estar engalanados como só se vestem quando a Maria Fumaça passa apitando com o comboio de enamorados na paisagem que sobe da Terra para até depois das nuvens onde outrora os Deuses mandavam raios, e as Musas enviavam inspiração.
Os pastores acenam soprando com suas flautas; as ovelhas saltam do aprisco e balançam seus sinos; os galinhos cantam do alto dos morros: Cocoricó! Fifirifiu! Em Belém, em Belém, em Belém!
Os Reis Magos e todas as caravanas místicas são chamados para o piquenique desse sábado pela manhã. Mil toalhas enfeitadas se estendem pelos gramados ao redor da Árvore da Vida, e de seus galhos pendem infinitas fitas coloridas como se o Arco-Íris brincasse de dependurar de cada ramo onde beija-flores e Cupidos fazem seus ninhos. Tudo é uma justa homenagem do Menino Jesus à Sua Terezinha que vai chegando. Coisas para a Maria Fitinha em sua Graça e leveza...
Quão felizes certamente estão seus pais, nossos queridos Quidinho e Nhazinha, com essa honra que só cabem às mães cuidadoras com zelo... Chove um tiquinho, e são pétalas de luzes perfumadas. Rosas feito estrelas...
Mal posso imaginar o que seja o Verdadeiro Natal quando se nasce para a Eternidade, depois de cumprida a missão daqueles que se transformaram no deserto das relações humanas em oásis onde se partilha o Pão do Céu e a Água da Vida. Sei apenas que Tio Toninho e Tia Tetê chegaram lá, e serão felizes para sempre.
Eles que nos deram tantas festas a celebrar aquela Noite Feliz, agora são recebidos nesse Dia de Alegria e Re-encontro.
Que vocês nos abençoem, nos animem na mesma vibração amorosa que tiveram Um com o Outro, quando mal conseguimos disfarçar a melancolia que brota do peito, choroso.
E, se merecemos tê-los entre nós como colunas firmes da família que formaram, recebam nosso carinho numa gota de lágrima, como orvalho, a deslizar nessa pétala de rosa branca que juntamos às demais flores expressando reconhecimento e alegria que sobem em ramos no Altar da Gratidão que lhes devemos.
Querida Tia Tetê, aquelas 80 velinhas, assopradas em seu Feliz Aniversário com meu humilde presente de botão de rosa e um laço dourado, agora são uma chama só nas orações respeitosas com que queremos honrar sua subida aos Céus nessa noite silenciosa, nessa Noite Feliz para a senhora rumo à pátria onde tudo é Luz no Parnaso dos Poetas redivivos, e Eros e Psique brincam juntos...
(...)
Um beijo enorme aos meus “TTT”, de estalado, de estrelado, de entranhado Amor de quem teve a honra de ser seu sobrinho, e se faz pó-ético dedilhando essa lira pintada em letras de infinita saudade, para dizer apenas, até breve, Tia Tetê. Até daqui a pouco, Tio Toninho...
Deus abençoe a sua Junteza, na vida, na poesia da partida dessa Grande Viagem...
Só vocês mesmo para deixar essa derradeira lição de Amor e Vida, de Poesia, de Poevida, de “Amor sem conta”.
Tentamos seguir seu exemplo, meus tios queridos... inesquecíveis... Terezinha de Antônio... tão Marília de Dirceu...
Pois, "Quem quiser ser feliz nos seus amores, siga os exemplos que nos deram estes".
Obrigado, do fundo do coração batendo na cadência da alegria e da tristeza, da saudade e da melancolia marcando as horas em oração no solitário Jardim, Pomar e Pracinha da minha infância, juventude e madureza... eu querendo ser tão amoroso como vocês, nesse Amor que os uniu desde sempre, para sempre...
Feliz re-nascimento, querida Tia Tetê...
De seu sobrinho pródigo,
Leopoldo Nogueira e Silva, Popô
Florianópolis
Nossa Senhora do Desterro
Ilha de Santa Catarina
Outono mais choroso e mais saudoso de 11 de maio de 2012
...
Marília de Dirceu
Tomás Antônio Gonzaga à Maria Dorotéa Joaquina de Seixas Brandão
Lisboa, em exílio para Moçambique, para as Minas Geraes
1792
Lira 1
(...)
Depois que nos ferir a mão da morte,
ou seja neste monte, ou noutra serra,
nossos corpos terão, terão a sorte
de consumir os dous a mesma terra.
Na campa, rodeada de ciprestes,
lerão estas palavras os pastores:
"Quem quiser ser feliz nos seus amores,
siga os exemplos que nos deram estes".
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!
Lira 2
Pintam, Marília, os poetas
a um menino vendado,
com uma aljava de setas,
arco empunhado na mão;
ligeiras asas nos ombros,
o tenro corpo despido,
e de Amor ou de Cupido
são os nomes que lhe dão.
Porém eu, Marília, nego,
que assim seja Amor, pois ele
nem é moço nem é cego,
nem setas nem asas tem.
Ora pois eu vou formar-lhe
um retrato mais' perfeito,
que ele já feriu meu peito:
por isso o conheço bem.
Os seus compridos cabelos,
que sobre as costas ondeiam,
são que os de Apolo mais belos,
mas de loura cor não são.
Têm a cor da negra noite;
e com o branco do rosto
fazem, Marília, um composto
da mais formosa união.
Tem redonda e lisa testa,
arqueadas sobrancelhas,
a voz meiga, a vista honesta,
e seus olhos são uns sóis.
Aqui vence Amor ao Céu:
que no dia luminoso
o Céu tem um sol formoso,
e o travesso Amor tem dois.
Na sua face mimosa,
Marília, estão misturadas
purpúreas folhas de rosa,
brancas folhas de jasmim.
Dos rubins mais preciosos
os seus beiços são formados;
os seus dentes delicados
são pedaços de marfim.
Mal vi seu rosto perfeito,
dei logo um suspiro, e ele
conheceu haver-me feito
estrago no coração.
Punha em mim os olhos, quando
entendia eu não olhava;
vendo que o via, baixava
a modesta vista ao chão.
Chamei-lhe um dia formoso;
ele, ouvindo os seus louvores,
com um modo desdenhoso
se sorriu e não falou.
Pintei-lhe outra vez o estado,
em que estava esta alma posta;
não me deu também resposta,
constrangeu-se e suspirou.
Conheço os sinais; e logo,
animado da esperança,
busco dar um desafogo
ao cansado coração.
Pego em seus dedos nevados,
e querendo dar-lhe um beijo,
cobriu-se todo de pejo
e fugiu-me com a mão.
Tu, Marília, agora vendo
de Amor o lindo retrato,
contigo estarás dizendo
que é este o retrato teu.
Sim, Marília, a copia é tua,
que Cupido é deus suposto:
se há Cupido, é só teu rosto,
que ele foi quem me venceu.