quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Saudade... como um sonho de Van Gogh...


SAUDADE

Célia Laborne Tavares

Entrando na sala, revi a toalha sobre a mesa. O linho ainda amarelo vivo, bordado com holandesas de saia vermelha, apertou-me o coração. O passo diminuiu, os olhos pararam, a sala segurou-me.

Fiquei transitando no susto da reminiscência de quem quer e teme, mas não desvenda. Abri os olhos, fechei-os, parada entre o passado e o presente, sem lugar definido. O sentimento doeu-me naquele pedaço de pano retirado da infância. Dor sem explicação, sem vínculo, sem roteiro certo. A toalha ligou-me ao que eu não mais sabia: flor de festa, pedaço de lágrimas, canção de dúvida.

- O quê? – Por quê? Fragmento do que foi, saudade talvez. Qualquer coisa distante querendo comunicar-se. Uma pergunta longa sobre os olhos úmidos e a garganta seca. A toalha puxando um sentimento velho e novo. Saudade.

Encontro profundo com algum instante muito amado, ou, quem sabe, muito sofrido. A toalha dos dias de festa, dos dias de aniversário, dos tempos de criança. Rumor do riso de mil bocas que se desgarraram neste mundo, perdidas em casas novas e cidades afastadas.

No avental da holandesa havia uma palavra prestes a escapar-se e qualquer coisa indefinida em suas faces de bonecas mudas. Dominando tudo, o impacto de um amarelo muito antigo e verdadeiro, muito real e infantil, nos olhos já adultos. E a cor permaneceu sempre comigo, fazendo história, dizendo poema, inventando. Dei-lhe forma e ternura para que me libertasse. Porém, ela preferiu permanecer incógnita sob aquele linho.

Um amarelo que se repete sempre e se completa como um sonho de Van Gogh para um dia, quem sabe, revelar-me o segredo final.

Mas, no momento, é apenas saudade muito antiga.

...


Poema recebido via e-mail da autora. Conheça seu Blog "Vida em Plenitude", clicando aqui.

Foto: Vincent Willem van Gogh - Jovem Mulher de camponês com chapéu de palha sentada no trigal. 1890. Coleção privada, Steven A. Cohen, Greenwich, Connecticut, USA. Fonte: TFSimon