Dos direitos radicais das crianças
Ligia Moreiras Sena
Toda criança tem direito de explorar
livremente o ambiente onde vive.
De interagir com o ambiente natural.
De experimentar novas sensações e
afetos.
De admirar o mundo.
De ser estimulada a respeitar todas as
formas de vida.
De se sentir parte delas.
De sentir cheiro de flor, de água, de
riacho, de comida fresquinha, de casa limpa.
Toda criança merece expandir seus
horizontes e seu olhar.
Conhecer outras formas de viver e outros
hábitos de vida.
Toda criança precisa ser levada em
consideração nas tomadas de decisões familiares.
Toda criança merece ser incluída
ativamente nos programas da família, não como uma “bagagem” que se carrega
secundariamente, mas como parte que influencia a escolha.
Toda criança merece e tem direito de
interagir com outras crianças, principalmente com aquelas que vivem de maneira
diferente delas próprias, uma vez que isso constrói o respeito e a equidade.
Toda criança merece receber uma educação
livre de preconceitos e discriminações de qualquer tipo.
Merece saber que amor não escolhe sexo,
cor, classe social, etnia, nacionalidade.
Toda criança merece passar menos tempo
em frente à TV e mais tempo junto à natureza.
Toda criança tem direito de saber de
onde vêm seus alimentos e de conhecer aqueles que realmente lhe são bons.
Tem direito de saber se aquilo que está
sendo oferecido a ela é realmente saudável, é realmente benéfico, fará
realmente bem, ou é apenas reflexo do despreparo de quem oferece.
Toda criança merece ter seus medos
compreendidos e acolhidos, nunca ridicularizados, nunca menosprezados, nunca
ignorados.
Toda criança precisa sentir-se parte do
todo, influenciada por ele e o influenciando.
Precisa ser respeitada como ser integral
e a ela ser oferecido o que de melhor houver diante das possibilidades de cada
contexto.
Todo choro de criança precisa ser
acolhido e compreendido, jamais ignorado, jamais minimizado.
Toda criança precisa ser protegida
contra todas as formas de alienação.
Ao mesmo tempo em que precisa e merece
ser protegida contra todo tipo de violência, a fim de que aprenda que um mundo
cordial é possível e que violência é retroalimentada.
Toda criança merece ser protegida contra
riscos desnecessários ou situações que representem perigo, qualquer que seja
ele.
Toda criança merece não ser medicada por
qualquer bobagem. Merece ter sua saúde e integridade física respeitada. Merece
viver longe de drogas ativamente oferecidas por seus cuidadores sem que exista
real e indiscutível necessidade.
Precisa saber que sempre haverá quem a
ajude, quem a proteja, quem lute por ela.
Acima de tudo, toda criança merece ser
olhada como uma semente já germinada, porém sedenta daquilo que a fará grande,
forte e viçosa, e nutrida com o mais puro amor e disponibilidade.
Nenhuma criança é ônus.
Nenhuma criança é empecilho.
Nenhuma criança é dispendiosa.
Se uma criança assim estiver sendo
vista, o problema está em quem assim a vê.
Tudo isso parece demasiadamente óbvio.
Mas infelizmente não é. Se assim fosse, não nos depararíamos repetidas vezes
com situações que simplesmente ignoram o bem-estar da criança, ou o minimizam,
ou o preterem em função do mundo adulto e suas pseudonecessidades.
É preciso lembrar repetidas vezes que
crianças têm direitos fundamentais que precisam ser respeitados e que vão muito
além dos enumerados na Declaração dos Direitos da Criança.
Direitos que passam por mais
sensibilidade, por mais acolhimento, por mais afeto, mais entendimento, mais
entrega e acesso, mais verdade, mais sinceridade, menos subterfúgios e
desculpas as mais variadas.
Crianças não são extensões de seus pais.
Crianças não são propriedades deles.
Crianças não são receptáculos vazios
onde inseriremos todo nosso despreparo.
São novos seres.
Que merecem um mundo novo.
Ou uma nova forma de viver neste velho
mundo.
Uma forma que valorize o sentido básico
da infância, sua essência mais profunda e indivisível, sua raiz primordial.
Uma forma que é, por seu mais profundo
significado, radical: que diz respeito a raízes, a princípios, a essências.
Em um mundo de moderações e
contemporizações, onde ser complacente com a violência é visto como ser
"moderado", onde aceitar uma palmada, um xingamento, é visto como ser
"tolerante" com diferentes formas de cuidado parental, em um mundo
como esse, o que as crianças precisam é de um olhar mais radical sobre
elas.
Um olhar radicalmente contra a
violência.
Radicalmente contra a negligência.
Radicalmente contra o abandono.
Um olhar que busque a verdadeira
raiz de ser criança.
Se é esse é o seu olhar, saiba que você
não está só: a radical que mora em mim saúda a radical que mora em você.
"Radical" não é uma ofensa e
"ser radical" não é um desvalor.
Embora, em um mundo de
"moderados", as pessoas se esforcem tanto para que pareça ser...
E é sempre bom lembrar: quem não é
radicalmente contra a violência à criança é, também, seu cúmplice.
06 mar2014
Sobre a autora
Bióloga, mestre
em psicobiologia, doutora em farmacologia, área que deixei após me tornar mãe.
Estimulada pela maternidade, mudei de área, de foco e de vida, e hoje faço um
novo doutorado, agora em Saúde Coletiva. Sou pesquisadora da assistência ao
parto no Brasil, da violência obstétrica e da medicalização da infância e do
corpo feminino. Sou mãe da Clara e esse é o mais relevante dos meus títulos,
pois foi ele quem me modificou verdadeiramente. Ela me inspira, todos os dias,
a olhar a vida e os seres humanos por outro prisma, a lutar pelos direitos das
mulheres e a conectar pessoas que buscam criar seus filhos de maneira afetuosa
e não violenta.
Texto completo
sobre a autora clicando aqui.
Leia também a
"Declaração de Amor aos Direitos das Crianças", por Leo Nogueira Paqonawta, clicando
aqui.