Poliamor: é possível amar a mais de um amor?!
Há muitos anos, um amigo recém-casado revelou-me que havia feito um pacto com sua jovem esposa. Diante da possibilidade de se envolverem em relações extraconjugais, afinal, a carne é fraca e pecadora, prometeram que não haveriam segredos entre eles. Imaginavam que o amor intenso que nutriam seria um esteio eficaz e que suportariam eventuais transgressões. Partiam do pressuposto de que sexo e amor são diferentes, e que se acontecesse de um deles cair em tentação saberiam diferenciar e suportar. Pensavam que a fidelidade no amor permaneceria intacta. Bela atitude, mas temi que escondesse um devaneio próprio da paixão que arrebata e desvanece a razão. Infelizmente, meus temores revelaram-se sensatos. Na primeira vez em que vivenciaram o pacto instituído, irrompeu a crise conjugal cujo desenlace já estava anunciado.
Amavam-se tanto, mas não suportaram saber a verdade. Por que? Talvez porque o amor, tal qual o concebemos, indique uma relação de posse mútua do corpo. Em geral, não temos estrutura psicológica para aceitarmos que o corpo amado, que possuímos como nossa propriedade, pertenceu a outro/a. O amor é possessivo! O amor exige a submissão do/a outro/a em todos os sentidos; pressupõe fidelidade plena, monogamia.
Até parece que é uma lei da natureza humana. Aliás, não faltam os que buscam exemplos no mundo animal para comprovar a divindade dos preceitos monogâmicos. Outro dia, um senhor me explicava que, diferentemente do ser humano, o pássaro Calopsita não aceita outro/a parceiro/a. Ora, tais argumentos deixam de levar em conta que os humanos somos animais que agem não apenas por instinto; desconsidera-se a cultura, a construção histórica dos valores e mesmo dos sentimentos que consideramos naturais e esquece-se o quanto complexo e diferente somos. De qualquer forma, para os infiéis que não obedecem aos ditames de uma “natureza humana” naturalizada, mas fundamentada em preceitos sobrenaturais e na tirania da maioria – a moral que a sociedade determina como legítima –, resta a ameaça do fogo do inferno a arder eternamente sobre as almas dos infelizes que sucumbiram ao desejo da carne ou à paixão.
Não obstante, práticas que desafiam o manual monogâmico são milenares. Um breve olhar pela história humana é suficiente para ilustrar o quanto é falacioso restringir o amor e as relações sexuais ao modelo cristão-ocidental. Claro, a relação monogâmica é uma opção de vida aceita pela maioria. E, se desconsiderarmos a pressão da moral religiosa e social, é lícito aceitarmos que muitos são felizes em viverem monogamicamente. Contudo, também é admissível a hipótese de que para muitos dos casais a monogamia é um faz-de-conta e que muitos casamentos se mantém tensamente no difícil equilíbrio entre as exigências matrimoniais e a vivência extraconjugal. Amores clandestinos, amores escondidos são mais comuns do que a vã filosofia pode imaginar!
A esta altura, o moralista já atirou a primeira pedra e outras tantas. Quem sabe, sua ânsia moralista seja apenas a necessidade de recalcar desejos inadmissíveis. Mas, deixemos-lhe diante das suas certezas missionárias. O fato é que a realidade das relações humanas não cabe em moldes maniqueístas.
Há diferentes formas de amar, diversas maneiras de manifestar o amor. Todas elas podem ser intensas e únicas – é risível imaginar uma espécie de amômetro que mensure o quantum de amor. Mas é possível amar simultaneamente a mais de uma pessoa? Os que defendem o Poliamor acreditam que sim. São pessoas que optaram por assumir a possibilidade de manterem mais de uma relação amorosa. Não sou adepto doPoliamor, mas respeito. A capacidade humana de amar encerra múltiplas possibilidades, para além da percepção comumente aceita de um amor que é possessivo e excludente. É outra concepção de vida, que procura se libertar das determinações estruturais que nos impuseram certos valores e comportamentos a seguir por toda a vida.
Provavelmente, o meu amigo não tenha ouvido falar em Poliamor – com certeza, naquela época desconhecia. No fundo, porém, ele acreditou na possibilidade de aceitar uma relação extraconjugal – embora restringisse esta a um caso efêmero que envolvia o desejo sexual. De fato, muitos casamentos, ainda que incluam sofrimentos mútuos, culpas e ressentimentos, arrependimentos, perdões, etc., resistem a esta prova. No entanto, dificilmente o matrimônio deixa de sucumbir à prova da não exclusividade e posse. A dor da alma por não ser o único amado, a única amada, é intensa e incomensurável. É-nos impossível admitir que o/a outro/a não nos ama menos ou nos deixou de amar porque ama a outro/a. Nos sentimos rejeitados, amputados, perdidos. É simples, nossa concepção de amar e amor é egoísta e possessiva, se resume ao eu.
No fundo, nos revelamos incapazes de amar em liberdade, isto é, sem que vejamos no outro o objeto da nossa posse. E como o amar é mais forte que as amarras culturais, religiosas, morais, ou mesmo do próprio amor como o concebemos, ele termina por encontrar formas de se manifestar, ainda que clandestinamente. Concordemos ou não, os adeptos do Poliamor deram um passo adiante em relação ao mundo das sombras dos amores secretos e clandestinos.
O meu amigo e sua jovem esposa não estavam preparados para a verdade. Mas, quem está? Não é por acaso que atitudes caracterizadas como Poliamor são raras e, para muitos, impactante. Mesmo assim, sugiro que assista ao vídeo. Sempre é possível aprender algo…
Reproduzido de Blog do Ozaí
Para ler mais sobre Poliamor clique aqui e conheça o Blog Poliamores clicando aqui. 20 de novembro: Polyamory Day
Poliamor from Zé Agripino on Vimeo.
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